quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O 11 DE SETEMBRO




O Homem-pássaro

Daquele dia em que o terror foi rei o que ficou retido para sempre na minha memória foi o Homem-pássaro.
A imprensa americana chamou-lhe “the falling man”.
A fotografia impressiona. A posição do corpo é vertical, de cabeça para baixo. As pernas estão flectidas, uma mais que a outra. Uma das torres gémeas ocupa toda a imagem, em fundo. O homem apresenta-se estranhamente equilibrado na queda. Não parece desamparado. Quase que podia julgar-se que ele dirige a descida. Quase que parece um voo. Um voo picado para baixo de um Homem-pássaro.
A foto chocou o mundo e incendiou paixões. Gerou protestos de muitas vozes. Ninguém queria ver aquela foto escarrapachada nos jornais. Dizia-se que retirava privacidade ao homem que durante a viagem de dez segundos vivia os seus últimos momentos. Para além disso magoava.
Depois vieram as tentativas de identificação da pessoa. Por cada hipótese adiantada surgiram rejeições. Ninguém queria assumir o Homem-pássaro. Ele envergonhava as viúvas e assustava os órfãos. Como se aquela foto mostrasse uma viagem voluntária para morte.
O Homem-pássaro não se matou. Aquele homem decidiu ser pássaro nos últimos dez segundos que lhe restavam. Já se tinha despedido dos entes amados. Já tinha rezado ao seu Deus. Já se tinha despedido da sua condição humana. Só não conseguia ainda despedir-se da vida. Queria mais. E só havia uma maneira de conseguir prolongar o tempo que lhe restava: transformando-se em pássaro. Durante a viagem para baixo pode sentir o vento frio na cara. Pode ver o céu radioso. Pode respirar.
Por mais dez segundos.
A imagem do fotógrafo não é um testemunho do desejo de morte. Ou da fragilidade do ser humano perante a tragédia. É a prova da capacidade de abraçar a vida. Tão esmagadora que pode transformar um homem em pássaro e fazê-lo voar. Nem que seja por dez preciosos e eternos segundos.
Paz à sua alma.

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