quinta-feira, 14 de agosto de 2014

PUTA QUE OS PARIU



"Puta Que Os Pariu" é a biografia de Luiz Pacheco escrita por João Pedro George.

Este livro deu-me água pela barba. Trata-se de um calhamaço de mais de 600 páginas escrita nuns caracteres pequeninos intervalados por outros ainda mais minúsculos. Ora eu que nunca tive necessidade de usar óculos vi-me e desejei-me para conseguir focar a vista, pois ainda para mais comecei a ler a obra de noite. Ao outro dia, cheia de papos nos olhos, lá carreguei o volume, e que volume, até à praia: abençoada luz solar sem filtros, via claramente visto, o lume vivo, e as letras!
Assim à primeira vista não parece ser uma leitura muito apropriada para férias à beira-mar, é baseado num trabalho de doutoramento, polvilhado de referências bibliográficas, só as páginas de notas e apêndices são mais de 100 páginas. Mas se é verdade que já li doutoramentos mais superficiais e leves nunca tinha lido um tão interessante e divertido. E também é preciso dizer que o livro está pejado de pormenores sexuais que vão desde o picante ao escabroso  (há para todos os gostos), o que se formos a ver, até condiz com o veraneio na praia.
Quem foi Luiz Pacheco?
Foi um escritor/editor que nasceu em 1925 e conseguiu chegar a velho com uma sorte danada pois teve um vida de excessos de álcool e de grandes loucuras e que colocou a literatura acima de tudo o que os demais acham essencial: o bem-estar, a segurança, o amor, o futuro dos filhos, enfim, a vida.
Era um escritor fora do comum, sem papas na língua, apaixonado pela escrita, completamente livre, sem amarras de espécie alguma, apelidado de escritor maldito.
Tinha uma enorme capacidade para reconhecer talentos, o dos outros (foi o 1º editor do Herberto Helder) e o dele próprio. Escrevia críticas literárias implacáveis. Teve muitos amigos e inimigos. Viveu da caridade, sofreu muitas misérias, várias estadias na prisão (tanto por obras publicadas contra a censura como pelo comportamento sexual considerado impróprio para a época), internamentos para desintoxicações e por doenças várias. Teve relacionamentos amorosos problemáticos com mulheres adolescentes mas também gostava de homens. Escrevia sobre a sua vida, entrelaçando a sua história com os seus livros. Teve 8 filhos. Falava dele próprio na 3ª pessoa (como os jogadores de futebol mas com mais criatividade), dizia: a pessoa pachecal, a prosa pachecal, a ética pachecal, etc.
Ao fim dos 4 dias nesta enorme viagem que foi conhecer a sua vida (acho que conheço melhor o Luiz Pacheco que 95% dos elementos da minha família, o que é um alívio) fiquei com uma obstinada vontade de lhe conhecer a obra. Até porque a tal letra mais miudinha é na maior parte das vezes discurso do autor, e é uma prosa deliciosa. Resta-me, então, ir à procura da famigerada obra pachecal.

Eis uns pequenos aperitivos:

"Partindo do princípio superior da criação artística, Pacheco explorava os valores cristãos da caridade, partilhados e legitimados por uma sociedade católica, como a portuguesa: " o truque é o do Jota Cristo: sentar-se um tipo na Cruz ( o mais confortável possível...) e depois reclamar para a Opinião Pública".

"Aliás, e quero declará-lo a quem o não souber ainda, sempre me considerei, como pessoa, como editor ou como escriba um franco-atirador, um cão sem coleira. Tirando daí todas as vantagens mas também muitos dissabores ou vice-versa: vantagens por vezes nenhumas, dissabores os que resultam de nos sabermos exilados no nosso próprio país, desacompanhados até dos nossos melhores amigos de infância. Mas a cada qual seu caminho e seus espinhos/calos."

"É tempo de gozar um bocado comigo e de mim. porque só tenho duas saídas: essa, da jocosidade, ou da amargura. por este caminho, ninguém vem atrás de mim, não se cativa pela choradeira mas pelo humor. Partes gagas, como a do meu casamento no Limoeiro, a aventura no Mucifal, proezas nas Caldas, as negas a várias fodas com mulheres e até, com rapazes (O Zézito, de Ansiães), de quando ia quase matando o meu pai, os ratos filatélicos, a denúncia da quadrilha ao Óscar, os rapazes bons e a vida louca de Massamá, a Fátima e a Irene, o Rodinhas, é um carrossel de gente e de eventos de que poucos se podem orgulhar no Disparate. A vida com a Kalmeirona, as figuras literárias (as VACAS, tipo Cesariny, Natália, no passado e no presente, eis uma galeria à portuguesa em que não receio confronto). A ideia havia de brotar aqui, na miséria suja da Tribo dos Cospe Cospe.
E isso ainda é o folclore, o anedótico. O principal é a força íntima, a minha força, que me levou a casar no Limoeiro como me trouxe agora ao Barro. A força e/ou fraqueza. O que terá de ser levado a rir. Senão é uma série infindável de "Tomas!" para os outros que me rodeiam, para a Sociedade. Vítima (e carrasco; como eu fui carrasco com a irene, o Paulocas!) mas a rir e risível. No fundo dos fundos, uma MORALIDADE  e a sua opção consciente ou irreprimível."



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