quarta-feira, 18 de junho de 2014

O bom cão




Estava em Edimburgo quando pela primeira vez e única falei com Deus. Comecei por lhe pedir perdão pela estrondosa incongruência. Se ele tudo sabia iria achar que estava  trair as minhas íntimas convicções. Afinal o "meu" Deus não interferia nas acções humanas. Mas justifiquei-me que não era por mim, não era por nenhum humano sequer. Naquele momento eu temia que o meu cão estivesse preso por uma corrente a uma casota de cimento. Mais tarde veio-se a verificar que assim fora de facto. Tinha sido roubado e havia 15 dias que estava em parte incerta. Eu em Edimburgo, num estágio, o meu irmão e  avô a procura-lo no Ribatejo. Todas as noites a mesma imagem, o meu cão a uivar de saudade amarrado a uma barraca de pedra, ao frio, à chuva. Um milagre teria de ocorrer para que ele voltasse. Disse-Lhe que os cães eram melhores que nós. Que eram puros e não mereciam sofrer. Os escoceses, um inglês, que por lá andava, e um nigeriano solidarizaram-se comigo. Viam como era triste e doloroso perder um cão tão bom, tão importante.
Uma noite, já de pijama, o telefone tocou de Portugal, era o milagre. O meu cão voltara a casa e os pormenores confirmaram o inesperado: Deus ouvira-me. Os escoceses, o inglês que por lá andava e o nigeriano, levaram-me a festejar. Dancei ao som das músicas tradicionais, nos braços de um homem forte de kilt e ainda oiço o som da minha gargalhada enquanto me esforçava por rodopiar sem ser lançada contra as paredes numa força centrifuga, ao passar de par em par.
Voltei, não sem alguma dificuldade, às minhas convicções antigas. Deus não interfere nas vidas humanas. Abre apenas um excepção ou outra para salvar um bom cãozinho.

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