quinta-feira, 29 de maio de 2014

TRAPÉZIO


Aqui no trapézio, de pernas para o ar, vejo a vida diferente. As cabeças lá em baixo seguramente sentadas nas cadeiras maciças. O silêncio por momentos é um cristal tão leve que consigo ouvir pensamentos. Imaginam-me ao avesso do que sou.
Aqui no trapézio, quando salto, a tua mão constante dá-me as asas que fazem planar e anular o risco da ausência de rede.
Vejo pequenas esferas perto do chão que parecem suspensas e trémulas. Arrepiadas. Enquanto isso eu voo para os teus braços de aço e de certeza tão doce. E sorrio. Para os que me vêem de baixo para cima sem perceberem que sou eu que estou na posição natural.
Olham para os nós que fazemos a quatro mãos e que sustentam duas vidas feitas do lado de cá.
Aqui no trapézio vivo o sonho diariamente. Acordada. Em plena acção. E os que vejo, diferentes de mim, apreciando a minha extravagância, não entendem.
Oiço ainda o rugido do leão cansado e o choro do palhaço vencido enquanto me lanço uma vez mais ao teu encontro num espaço suspenso, concretizado com músculos.
O espanto esboça uma exclamação admirada. Sorrio uma vez mais.
A vida aqui no trapézio, de pernas para o ar, é diferente. Estou segura voando constantemente para o refúgio do corpo do meu amor. Que me acolhe em cada salto. Sem rede e sem risco. Ao contrário dos normais lá na terra.
 Mal oiço os aplausos ofereço um sorriso final.

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