quarta-feira, 26 de março de 2014

CONTÁGIO





Tenho o homem de costas e o revólver apontado à cabeça.
O dedo no gatilho pronto a disparar.
Há um desejo que cresce como um contágio.
Conto os segundos à espera da coragem.
Preferia poupar o homem.
 Mas tenho de lhe tirar a vida.
 É o desejo que cresce.
 Como um contágio.
 Ele está prestes a virar-se e a ver que uma pistola mede forças com a sua cabeça.
Poderia poupa-lo?
Terei ânimo para exercer a pequena força que move o dedo?
Começo a suar.
O meu suor está diferente.
Como uma voz que chamasse outro nome.
Queria salvá-lo.
Mas é o desejo que manda.
Como um contágio, ele quer destruir.
Dilatar-se-ão as pupilas do homem quando vir a pistola apontada à sua testa?
De momento nem sonha que algo ameaçador conta os segundos para o fim.
Vai virar-se a todo o instante.
E vontade derradeira não chegou ainda.
Um sopro de determinação.
O desejo grita.
Como um contágio que se espalha longamente.
Oiço o bater de um relógio a marcar uma hora certa.
Quase a conseguir premir o gatilho.
Ele a voltar-se devagar.
O dedo move-se um milímetro.
Penso em virar a pistola contra mim.
O desejo explode como um contágio.
E nada é mais irremediável que um contágio.