segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Antony e a Poesia da Queda







Antony Hegarty (líder da Banda Antony and the Johnsons) é um cantor/autor inglês de 41 anos que desde muito jovem foi viver para Nova York.
Mudou-se de uma zona muito conservadora, na Inglaterra, para outra radicalmente oposta, nos EUA, onde sentiu que podia dar asas à sua criatividade com toda a liberdade de que necessitava.
Antony é um transgénero, de desde cedo começou a actuar em bares associados ao transformismo, no coração de grande maçã.
Mas mesmo os amigos que o conheciam bem se espantaram quando ouviram a sua música pela primeira vez. Como é que no local tão violento, de tantos excessos, surgia agora uma música tão celestial, tão pura, tão simples?
Detenho-me nas palavras de Antony. As letras dele são poemas, não há aqui espaço de manobra para essa eterna discussão.
Penso que o Antony dedica a maior parte dos seus poemas, se a não for a totalidade, ao amor. Aos vários tipos de amor: amor à família, amor à mãe, amor ao pai, à irmã, aos amigos, ao mentor, ao planeta. Mas o que mais regularmente se repete é o amor romântico, um amor ligado ao sofrimento e que aparece associado à queda. Antony explora exaustivamente a expressão “fallen in love”   em vários temas.
Em “Rapture” ele diz que tudo cai, os olhos caiem, os lábios caem, o cabelo cai, as folhas, as lágrimas e o Mundo. E toda a gente cai, a mãe, o pai, os amigos, e esta uma queda de assombro, pelo amor ao Mundo que parece perdido.
Em “Frankenstein” ele fala de uma mulher que se está a apaixonar e trata-se da queda num abismo. A mãe avisou-a para ter cuidado com a queda e agora ela sabe e vê o frio na sua fonte, na sua essência. E está a cair e tem a visão do amor, um amor gelado, uns braços apertados, um abismo.
Temos ainda a “I fell in love with a dead boy” , aqui a queda está logo no título, haverá queda maior que a de se apaixonar por um rapaz morto? É uma queda mas para o Antony mais forte que tragédia da morte é a alegria do amor por si mesmo. Não há palavras mais esperançosas que as deste poema. Ele ama um rapaz morto e mais importante é o amor.
Penso que esta letra tem duas leituras. Uma sobre a força do amor como força universal. A outra é sobre a transformação que o Antony experimentou ao passar de rapaz para rapariga. E é essa a pergunta que ele faz no fim: és um  rapaz ou és uma rapariga? Está, penso eu, a falar de si, e quando diz que se apaixonou por um rapaz morto creio que fala ainda de si. Quando passou a reconhecer-se como transgénero e “matou” o rapaz” que havia nele apaixonou-se  por si, ganhou auto-estima, reencontrou-se, “ganhou asas” (ideia que ele explora em várias canções como por exemplo na Bird Girl). “I fell in love with a dead boy” é também a história de uma conquista, a sua conquista.
Outro tema recorrente na poesia do Antony é o do amor associado à dor física, assunto que consegue abordar de uma forma surpreendente. Trataremos desse aspecto mais à frente.