segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

12 Years A Slave



Fui ontem ao cinema ver o “12 anos escravo” e fiquei desmoralizada. Não com o filme, que correspondeu às minhas expectativas que eram muito altas, mas com a reacção que despoletou nas pessoas que assistiram à sessão.
O filme é do melhor que se pode fazer nesta arte. Mas não é um simples filme de entretenimento. Ao entrarmos na sala espera-nos um bom par de horas que irá fazer-nos meditar sobre a Humanidade. Um par de horas que nos vai deixar arrepiados, horrorizados, perplexos.
Mas chegada à sala reparo que a fila imediatamente atrás de mim está repleta de pessoas com gigantescos baldes de pipocas. Comer e assistir às atrocidades que o ser humano inflige a outros seres humanos não é compatível. Será que esta gente não sabia ao que vinha? Será que pensava que era um filme de acção tipo “Mercenários II”?
Infelizmente a minha dúvida dissipou-se quando uma senhora muito elegante se sentou ao meu lado com uma caixa cheia de nachos e molhos de cheiros intensos. E mascou, e triturou e insalivou os ditos snacks durante a totalidade da 1ª parte. Ao intervalo tive de mudar de lugar. Não antes sem ouvir da respeitável dama que deveria ser proibido filmar histórias como a deste filme. Pois que indispõem bastante um estômago sensível como o seu e para além do mais já nem existe esta realidade e bater nesta tecla só irá incitar à violência por parte “destas pessoas”. Não de todas, apressou-se logo a emendar, mas sim de alguns, os mais rancorosos, supõe-se...
Vários são os equívocos deste raciocínio. Este não é um filme sobre racismo. É um filme sobre escravatura. Sobre direitos humanos. Sobre o que é imutável e está acima da Lei, qualquer que seja a época ou o lugar. Sobre a ética e sobre o dever. Coisas tão essenciais que parece impossível poderem passar ao lado de quem assiste ao filme. No entanto aconteceu: o público ao olhar para o écran durante duas horas viu-se ao espelho e não se reconheceu.
Nem as notícias profusas nos jornais, nos noticiários, nas redes sociais dando conta de que o tráfico humano é o 2º mais lucrativo a nível global (logo a seguir ao das drogas) fazem eco na consciência das pessoas respeitáveis que assistem a este filme, deglutindo incessantemente e produzindo ruídos incomodativos pela mastigação de acepipes altamente crocantes.
Que não se filme tamanha barbaridade! Que não se veja o que o ser humano consegue fazer ao seu semelhante. Aqui a cor da pele é secundária. São seres humanos escravizando, torturando, massacrando outros seres humanos. Neste caso particular a Lei estava do lado dos torturadores. A Lei mudou em muitas partes do mundo (não em todo certamente) mas mesmo tendo mudado a Lei o ser humano continua igual.
E no final os comedores de pipocas e afins levantam-se de estômago cheio e bem aconchegado e pode ver-se os guardanapos besuntados, amarrotados, deixados no meio do chão.